O Rio de Janeiro recebe, até 8 de novembro, um dos maiores nomes da história da arte ocidental: Rembrandt van Rijn. O Centro Cultural dos Correios abre suas salas para a mostra Rembrandt – O mestre da luz e da sombra, que reúne 69 gravuras originais do pintor holandês, produzidas entre os anos de 1630 e 1640. Trata-se de uma oportunidade rara de contemplar obras icônicas como Autorretrato com Saskia (1636), A Ressurreição de Lázaro (1632) e O Jogador de Cartas (1641), peças que dificilmente ultrapassam as fronteiras dos grandes museus europeus.
Mais do que a excelência técnica, a exposição evidencia a sensibilidade singular de Rembrandt diante da condição humana. Em suas gravuras, personagens bíblicos, anciãos, jogadores ou simples figuras anônimas emergem em tensão entre luz e sombra, revelando emoções intensas: dor, fé, compaixão e dúvida. A cada traço, percebe-se o mergulho do artista naquilo que escapa à superfície do olhar.
A técnica do claro-escuro, ou chiaroscuro, marca registrada de Rembrandt, ganha protagonismo em cada gravura. Ele não se limitava a registrar a realidade; recriava-a, modulando contrastes e sugerindo atmosferas de intimidade ou dramaticidade. Tal abordagem atravessou séculos e influenciou desde os pintores impressionistas até os cineastas modernos, que encontraram em seu domínio da luz inspiração para narrativas visuais complexas.

Um dos aspectos mais instigantes da mostra é acompanhar a inquietação criativa do artista. Cada matriz era revista, redesenhada e reimpressa, revelando sua busca incessante por intensidade dramática. Ao observar as gravuras de perto, é possível identificar essas marcas do processo, que conferem vitalidade única às obras e as transformam em testemunhos palpáveis da mente de um gênio.
O projeto não se limita à contemplação estética: traz um compromisso declarado com a acessibilidade. Há materiais em braile, um autorretrato tátil em 3D, tradução em libras e legendas inclusivas. A gratuidade do acesso reforça a dimensão democrática da iniciativa, aproximando o público brasileiro de uma experiência artística que, em geral, é restrita aos museus europeus. Para Álvaro Moura, diretor da Premium, organizadora da mostra, “estar diante de uma obra de Rembrandt é algo que muitos só vivenciam fora do país. Tornar isso acessível, aqui, é um gesto de valor simbólico”.
A biografia de Rembrandt acrescenta densidade à contemplação. Nascido em 1606 em Leiden, o filho de um moleiro abandonou a universidade para se dedicar à pintura. Rapidamente se tornou um dos retratistas mais prestigiados da Holanda do século XVII, auge da Era de Ouro. No entanto, sua trajetória foi atravessada por tragédias pessoais e dificuldades financeiras que culminaram em sua morte em 1669, em anonimato e pobreza. Sua obra, porém, sobreviveu ao tempo e hoje é celebrada como patrimônio universal.
Ao reunir essas 69 gravuras no coração do Rio, a exposição convida o público a experimentar não apenas a beleza da forma, mas também a densidade da vida interior que Rembrandt projetava em cada personagem. Trata-se de um encontro raro entre passado e presente, que reafirma o poder da arte de atravessar fronteiras geográficas e temporais para tocar o essencial da experiência humana.
