O mercado de bebidas no Ceará, que movimenta milhões de reais por ano e emprega milhares de pessoas, enfrenta um inimigo silencioso e perigoso: a falsificação. Por trás de garrafas aparentemente legítimas, com rótulos sofisticados e preços tentadores, escondem-se misturas clandestinas que colocam em risco não apenas a saúde do consumidor, mas também a credibilidade de todo o setor formal. Nos bastidores desse comércio ilegal, o uso de etanol e até de metanol, substâncias tóxicas quando ingeridas, tornou-se uma prática recorrente.
A Perícia Forense do Ceará (Pefoce), por meio do Núcleo de Química Forense, já identificou em diversas operações bebidas com composição fora dos padrões legais. Os testes laboratoriais revelam a presença de contaminantes, teor alcoólico irregular e até resquícios de metanol, substância que, mesmo em pequenas quantidades, pode causar intoxicação grave, perda de visão e, em casos extremos, levar à morte. Apesar de o estado não registrar, até agora, casos confirmados de óbitos por metanol, autoridades alertam para o risco crescente, especialmente durante grandes eventos e festas, quando o consumo aumenta e a fiscalização se torna mais difícil.
Do ponto de vista econômico, o impacto é devastador. A falsificação representa um duplo golpe: prejudica empresas que atuam legalmente e reduz a arrecadação de impostos. Estimativas nacionais apontam que o mercado ilegal de bebidas movimenta bilhões de reais todos os anos, drenando recursos que poderiam ser revertidos em fiscalização, saúde e políticas públicas. No Ceará, bares, distribuidoras e pequenos comerciantes também sofrem as consequências, já que muitos acabam adquirindo produtos adulterados sem saber, confiando em fornecedores informais que operam à margem da lei.
O problema se agrava porque as falsificações são cada vez mais sofisticadas. Garrafas reutilizadas, lacres idênticos aos originais e rótulos impressos com alta qualidade dificultam a identificação por parte do consumidor. Em muitos casos, apenas análises químicas conseguem revelar a fraude. O uso de etanol industrial, mais barato e sem controle sanitário, é uma das práticas mais comuns entre falsificadores, que o utilizam para diluir bebidas destiladas. Além do risco à saúde, essa adulteração altera o sabor, o aroma e a qualidade do produto, enganando o consumidor e manchando a imagem de marcas legítimas.
A fiscalização, embora presente, ainda enfrenta desafios estruturais. A informalidade do comércio, a dificuldade de rastrear pequenas produções clandestinas e a carência de equipes especializadas criam brechas que são exploradas por redes criminosas. Em muitas cidades do interior, a venda de bebidas adulteradas ocorre de forma quase aberta, especialmente em festas populares e bares de pequeno porte, onde o controle é menor. O problema se estende também para o turismo, já que estabelecimentos em áreas de grande fluxo de visitantes tornam-se alvos preferenciais para distribuição de produtos falsos.
Além dos riscos à saúde e das perdas econômicas, há um dano intangível: a desconfiança do consumidor. Cada caso de falsificação noticiado afeta a imagem de todo o setor, fazendo com que o público passe a duvidar da procedência das bebidas, mesmo das que seguem todos os padrões legais. Para empresas que investem em qualidade e rastreabilidade, essa crise de confiança representa um obstáculo difícil de reverter.
Especialistas apontam que o enfrentamento desse problema precisa combinar tecnologia e punição. O uso de ferramentas de rastreabilidade, códigos de verificação e sistemas digitais que permitam ao consumidor confirmar a autenticidade do produto são medidas essenciais. Paralelamente, é urgente endurecer as penalidades para quem fabrica ou comercializa bebidas adulteradas, tratando o crime não apenas como fraude fiscal, mas como ameaça à saúde pública.
No Ceará, combater o avanço desse mercado clandestino é mais do que uma questão sanitária — é uma pauta econômica e moral. Permitir que o etanol adulterado e o metanol circulem disfarçados de destilados de luxo é colocar em risco a vida de consumidores e a reputação de um setor que sustenta milhares de empregos. A resposta precisa ser firme e coordenada: mais fiscalização, mais tecnologia e uma dose de responsabilidade compartilhada entre governo, empresários e sociedade.