Depois da viagem longa, cheguei ao meu destino. Uma estrada com poucos solavancos, a igreja azul de Santa Luzia e, em pouco tempo, eu estaria pisando naquela areia branquinha que recebeu meus pés em tantos momentos felizes.
A água morna, límpida, da Lagoa do Paraíso, me abraçaria e envolveria todo o meu corpo, trazendo alívio temporário à exaustão na qual eu andava imersa.
Dois abraços apertados, sorrisos e um par de olhos verdes, como a água da minha lagoa, me receberam ao descer do táxi. Ao abrir a porta do destino, o cheiro familiar. Estava em casa.
Sabia disso porque era o mesmo cheiro da velha casa dos meus avós, que viu nascer meu pai e seus 13 irmãos. Na esquina do Córrego do Urubu, suas paredes grossas resistem. Não sei até quando.
O cheiro que atiçou as memórias era dos tijolos brancos do chão. O odor era calcário, a anfitriã contou.
Esses tijolos faziam raiva à minha tia Evanira, porque não conseguia mantê-los limpos. Difíceis de varrer. Para piorar, meu avô mascava fumo e grandes manchas escuras tingiam o chão ao redor do tucum que ele gostava de se deitar.
Sento na cama da pousada, fecho os olhos e viajo no tempo. Me vejo criança, deitada na rede rústica com a chuva batendo devagarinho nas telhas que meu avô mesmo colocou, logo acima dos grossos troncos de carnaúba. O vô Doca Ribeiro, logo ali na outra ponta da sala, descansava no seu tucum. No chão, as alpargatas de couro, que ele também sabia fabricar.
A vó Maria, na cozinha, em outro tucum, conversava com alguém que aprontava o almoço.
Os dois se foram há mais de duas décadas. Me trouxeram aqui. Eu sei.
Não vou esquecer de contar o que eu ouvi nessa terra sagrada. É separar tempo, buscar os elementos para que a memória viaje e floresça em um novo livro. Aquele do qual tenho fugido.
Tenho um jardim secreto que pode dar frutos. Basta escutar a voz que sussurra por entre as folhas dos velhos cajueiros. É hora de retomar essa escrita e deixá-la fluir.