No Dia Mundial do Algodão — celebrado em 7 de outubro — ganha força a reflexão sobre uma das fibras naturais mais estratégicas para a economia global. No Brasil, apontado como maior exportador da pluma e entre os líderes na produção mundial, o debate se amplia: como conciliar a força produtiva com critérios socioambientais rigorosos. No Ceará, esse desafio ganha contornos promissores a partir de políticas públicas, incentivos e arranjos agroindustriais.
O Brasil consolidou nas últimas safras uma produção que alia escala e responsabilidade. Um movimento consistente nos bastidores do agronegócio brasileiro é a certificação socioambiental: hoje, um vasto percentual da cadeia algodoeira está submetido a padrões como os do Programa Algodão Brasileiro Responsável (ABR). Por meio de auditorias que consideram uso da água, manejo de solo e condições de trabalho, o Brasil busca tornar-se referência em produção têxtil com rastreio completo — da semente ao varejo.
A rastreabilidade tem se modernizado com o apoio da tecnologia blockchain, permitindo que o consumidor, ao escanear um QR Code na etiqueta, descubra a jornada da fibra até sua origem. Esse mecanismo reforça transparência e confiança em uma cadeia historicamente opaca.
Depois de décadas de declínio por conta da praga do bicudo e da desintegração da cadeia produtiva regional, o Ceará ensaia uma retomada do “ouro branco”. Em 2025, o governo sancionou o Programa Estadual de Fortalecimento e Revitalização da Cotonicultura, que prevê a distribuição de sementes qualificadas, assistência técnica e estímulo à comercialização local.
Não por acaso, regiões como Cariri, Chapada do Apodi e Ibiapaba foram apontadas como polos de renovação do cultivo. Estudos da Embrapa já indicam condições favoráveis à retomada tecnológica, com cultivares adaptadas ao semiárido e menores custos de produção comparados às zonas do Cerrado.
Além da dimensão técnica, o Ceará aposta no algodão agroecológico e familiar. O Programa “Ouro Branco” associa produção sustentada e apoio direto ao agricultor, investindo em bioinsumos e ampliando, na safra 2024, para 29 municípios com recursos que somaram R$ 812 mil. No município de Irapuá, por exemplo, o cultivo orgânico resgatou renda rural e empoderou famílias locais.
A retomada da produção no Ceará já se traduz em resultados tangíveis. Entre janeiro e agosto de 2024, o estado exportou cerca de US$ 20 milhões em algodão, num salto de 56,2% frente ao ano anterior. Esse desempenho reforça a posição cearense no mapa internacional do setor têxtil. O algodão tem sido protagonista nas exportações do setor em solo cearense, representando parcela majoritária do valor vendido ao exterior.
Esse cenário favorece uma sinergia poderosa: aproximação entre produtores e indústria têxtil local. O Ceará já abriga grandes empresas do setor — Vicunha, Santana Textiles, entre outras — o que reduz os custos logísticos e aumenta a competitividade local frente a centros do agronegócio distantes.
Enquanto a produção algodoeira reconstrói bases sustentáveis, a moda cearense acelera no uso desse insumo consciente. Em Fortaleza, o programa Reciclocidades, da Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), conecta artesanato, moda e sustentabilidade ao gerar renda para mulheres vulneráveis e estimular reaproveitamento de resíduos. As coleções produzidas sob este arcabouço desembarcam inclusive em passarelas internacionais, como na Colômbia.
No contexto nacional, iniciativas como Sou de Algodão e programas de rastreabilidade fortalecem a marca Brasil no mercado de moda sustentável, estimulando o consumidor a exigir transparência, bons processos e comprovação de origem.
Restaurar a cotonicultura no Ceará exige superar barreiras estruturais. O controle do bicudo continua sendo um ponto crítico, necessitando protocolos de vazio sanitário e uso de bioinseticidas coordenados. O financiamento para compra de insumos e colheitadeiras, apoio logístico e mercados garantidos para a produção local também são áreas sensíveis.
Por outro lado, o alinhamento entre políticas públicas estaduais, pesquisa tecnológica e demanda global por moda sustentável gera oportunidades inéditas de inovação e valorização regional. Em especial para pequenos produtores e comunidades rurais, o algodão pode ser mais do que uma commodity — pode ser instrumento de inclusão econômica e ambiental.
No Ceará, a fibra que já foi símbolo de riqueza no passado pode voltar a ser agente estratégico no presente: uma ponte entre tradição rural e futuro de moda consciente.