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Ser mulher ainda é um risco

Contar as histórias de quem se perdeu nos descaminhos da violência, nas crônicas anteriores, me deixou reflexiva sobre muitas diferenças importantes entre os destinos de meninos e meninas nos anos 1990 e 2000.

Percebi que naquele micromundo da periferia em que me criei, que eram raras as meninas que tiveram envolvimento com tráfico, roubos, drogas… Pelo menos, as que eu conheci. Os meninos eram muito mais vulneráveis a isso.

Para elas, o perigo maior estava nos relacionamentos. Praticamente todas as adolescentes que conheci naquela época e que hoje são bem sucedidas nas profissões que escolheram ou não se relacionaram quando muito jovens ou se casaram com grandes parceiros com quem estão até hoje.

Um companheiro ruim ou ter muitas decepções amorosas na adolescência poderia tirar a menina do foco de estudar e conseguir ter sucesso profissional. E se uma gravidez surgisse então, as coisas ficariam ainda mais complicadas.

As minhas conhecidas que engravidaram antes dos 20 anos correram com os preparativos para o casamento e passaram alguns anos em casa. No entanto, com a ajuda dos companheiros, das mães ou das sogras, encontraram o caminho dos estudos novamente, fizeram faculdade e hoje, já com os filhos criados, desfrutam de uma relativa paz. Souberam escolher bem os parceiros de vida? Sorte? Foram corajosas? Talvez um pouco de cada coisa.

Algumas outras optaram por não se relacionar enquanto caminhavam em busca dos sonhos. Para essas, a velocidade em conseguir os objetivos foi maior.

Passadas mais de duas décadas desse tempo, essas mulheres hoje possuem estabilidade financeira, seja por meio de um concurso público ou mesmo como profissional liberal. São médicas, enfermeiras, jornalistas, advogadas, professoras, delegadas. Todas morando em sua juventude naquele mesmo micromundo da periferia. No entanto, a dedicação aos estudos fez muita diferença, assim como a presença forte de uma mãe ou uma avó, a ajuda das irmãs. Nem todas tiveram pais presentes.

A união das mulheres, na maioria das vezes, gerou o impulso que essas meninas precisavam para seguir. Enquanto a menina estudava, a mãe trabalhava em vários empregos para financiar os estudos ou a avó ficava com o filho para que ela pudesse ir para a faculdade. Ou as mulheres apoiavam com conselhos e palavras de incentivo.

Onde estavam os pais delas? Muitos abandonaram a família. Outros eram alcoólatras, agressivos. Alguns padrastos também foram abusivos. Talvez por isso mesmo essas meninas foram mais seletivas para não repetir esse ciclo. E conseguiram.

Termino essa crônica com o gosto amargo de saber que ainda é preciso saber se proteger para preservar o caminho. A geração dos meus filhos também tem esses mesmos perigos e ainda mais, já que hoje a criminalidade também é mais presente no universo feminino, vide o exemplo da minha ex-vizinha assassinada aos 14 e tantos outros casos de feminicídio. Além do adoecimento por conta de abusos físicos e psicológicos. Ser mulher ainda é um risco. Como romper esses ciclos sem fim?

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Por minha vasta convivência profissional durante anos com a sociedade de Fortaleza, aprendi a captar notícias em suas mais preciosas e seguras fontes. Por perceber que no contato com esses registros sociais estava a fonte de minha vocação, resolvi criar meu próprio espaço na mídia virtual, reunindo uma equipe capaz e competente.

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